quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Transmissão em metro quadrado


Quando você é uma pessoa que trabalha em um prédio comercial de 40 andares com um total de 240 escritórios, sendo 6salas por andar, tendo aproximadamente 20 funcionários por sala, você mais esses tantos outros proletariados no fim do dia têm uma única ambição em comum: pegar o elevador vazio.Quão vazio!?O suficiente para se respirar sem espasmos.Enfim, tal ocasião pode resultar em opções bifurcadas: os que vão pela escada de emergência - clautrofóbicos, aversivos a toques,desesperados - para evitar vários empecilhos como, por exemplo , a massificação de pessoas "suadas" e estressadas em metros quadrados ou as fofocas diárias zunidas de ouvido a ouvido.

Caso contrário, encontra-se na mesma situação, de azar, que eu, isto é, trabalhar no último andar do edifício, a primeira ação está fora de questão - descer 39 andares, sendo dois lances de escada por andar, seria, no máximo otimismo, cansativo.Prefiro, assim, o ensaio de suicídio lento e gradual, isto é, parar em todos os andares, todos os 39 andares e, pouco a pouco, ser comprimido nos cantos do elevador como o enlatado de atum que me serve de comida pós-expediente.

Uma vez ou duas vezes por semana, porém, dou uma desculpa ao meu superior para sair dez minutos antes do término do expediente, amenizando, assim, a superlotação do elevador. Entretanto, hoje, não sei por quais motivos, fui o único da minha repartição a ser liberado 20 minutos mais cedo. Talvez pela minha aparência abatida ou a intuição do chefe sobre minha pretensão.O fato é que me encaminhei para o elevador com um sorriso de orelha a orelha . Sabia que não desceria os malditos 39andares sozinho, normalmente havia um grupo de a falar das trivialidades laborais.O que é melhor que me contorcer entre 20seres ,com direito a variações de comprimento e largura.

Pensei que chegaria,pelo menos,até o trigésimo sozinho,doce ingenuidade.Parei do andar seguinte.E a garota banhada em lágrimas adentrou o que seria , e eu logo saberia , seu confessionário."Uma situação um tanto quanto estranha",pensei.

"Ele deve estar me achando uma idiota.Mas é o que eu sou mesmo.Uma idiota!Pode gritar,Você é uma otária, definitivamente eu sou.Tá bom!Ficar encarando é humilhação demais."
"Vamos ignorá-la.Ela vai se sentir mais confortável...Mas o que será que aconteceu?"
"Foi tudo culpa dela!Como ela pode destruir nosso romance tão despudoradamente.Tão heterodoxa! Tão insensivelmente!Na nossa cama!Nossa cama!Com outra.Qualquer uma.Aquela!"

Estávamos a sós ( o que não quer dizer seguros ).Ela,o silêncio e nossos pensamentos: o dela meio às lágrimas e os meus dentre as perguntas. Até sermos surpreendidos pelo choro gutural: "AAaaaaaaaaaaaahhhhhhhh!Sou eu quem a ama ... ... ...Ama!Ela destruiu nossa felicidade,futuro de sonhos e amor.Nada!Eu a amo! Ela me amava!Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh" "Ainda estamos no trigésimo quarto.Os seis andares mais longos da minha vida.Ai,se ninguém entrar..."
"Se mais alguém entrar nesse elevador...Eu pulo do prédio!Que vexame!"
"Parece que ela vai explodir em sangue e lágrimas!É amor!Só pode ser,assim,tão gritantemente.Essa humilhação..Só pode ser amor!Banal!Assunto tão trivial entre as mulheres.Ou ele a largou..ou a traiu.Ou melhor, os dois!"
"Elaaaaaaa!!!"
"Vigésimo sétimo"
"Ele está olhando demais.Já deve saber de tudo.Está escancarado no meu rosto : Patética chora por amor- quão previsível"
"Ela chora incessantemente.Talvez eu deva lhe falar,mas.."
"Homens não entendem de amor.Não entendem nada.Eu a amo perdidamente"
"Gostaria de lhe falar..."
"Mas eu não!"
"Não conseguiria,não saberia como"

Ficamos ali,por mais um tempo no meio de seus soluços,desabafando silenciosamente segredos inconfessáveis por sentimentos incontestáveis.Fomos vítimas do acaso. E naquele tempo faltavam tão poucos andares.Mesmo ali,sem dizer uma palavra seque , interpretei todo sua história entre contorções corpóreas e sons oscilantes . E ali estávamos,ambos,no ponto de destino com olhares fixos para o abismo horizontal,abismo que prendia nossas incertezas e inseguranças.Foi ali que nos separamos,para sentidos opostos - ela esquerda e eu direita. "E a garota banhada em lágrimas adentrou o saguão de seus medos."

_É verdade - ela,finalmente,disse olhando para mim com a boca escarlate salivada em sal.

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